Democracia Sob Ataque: A Instrumentalização da Política e o Dilema do ‘Ganhar a Qualquer Custo’

A saúde da democracia moderna repousa sobre a tríade de poderes preconizada por Montesquieu: Executivo, Legislativo e Judiciário, pilares que, em tese, garantem o equilíbrio e a contenção mútua. No entanto, essa engrenagem, outrora vista como fundamental, parece enfrentar resistências em tempos recentes.

Observa-se uma crescente tendência de deslegitimar o papel do Congresso como um freio ao poder Executivo. Em vez de aceitar a atuação do Legislativo, partidos da base aliada frequentemente recorrem ao Judiciário, buscando no Supremo Tribunal Federal (STF) uma forma de mitigar as ações do Congresso, revelando uma preocupante fragilidade no sistema de freios e contrapesos.

Essa dinâmica espelha uma das mais graves distorções da política brasileira: a ideia de que “democracia é quando eu ganho”. Tal mentalidade, historicamente associada a determinados grupos políticos, manifesta-se na deslegitimação de opositores, frequentemente acusados de antidemocráticos e até mesmo associados a ideologias extremistas.

A título de ilustração, até mesmo o atual vice-presidente, Geraldo Alckmin, já foi alvo de acusações semelhantes por parte de seus opositores, sendo paradoxalmente transformado em defensor da democracia ao integrar o governo. Essa narrativa de autoproclamada superioridade moral e luta contra o ‘mal’ tem distorcido a percepção política de muitos.

Consequentemente, o Congresso, que deveria ser a voz do povo, vê-se rebaixado, transformado de um contrapeso essencial em um mero obstáculo àqueles que se autoproclamam defensores da democracia. Como pontuou Raul Kazanowski, advogado e associado do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), é crucial “refundar o espírito republicano de compreensão quando o outro lado vence”.

A polarização, em si, não é inerentemente negativa, desde que não alimente a crença de que a democracia só existe quando um lado prevalece. A alternância de poder, o debate de ideias e a atuação dos mecanismos de freios e contrapesos são vitais para a saúde democrática. Afinal, a vitória em uma eleição não confere ao eleito um poder ilimitado ou um salvo-conduto para ignorar a oposição e os demais poderes.

Portanto, a verdadeira democracia transcende a mera conquista do poder. É imperativo restabelecer um entendimento republicano, aceitando a vitória do lado oposto, seja em eleições ou votações no Congresso, sem interpretá-la como o fim do mundo ou o triunfo de forças antidemocráticas. É preciso superar a visão de que “democracia é quando eu ganho” para fortalecer as bases de um sistema político plural e equilibrado.

Fonte: http://revistaoeste.com

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